Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e significativa é o medo de perder, sobretudo o medo de perder alguém, medo de perder alguém que dizemos amar. O medo de perder a esposa, o esposo, os filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente. Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital.
Medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual nos relacionamos. Ele se reveste de incontáveis formas, aparece sob incontáveis disfarces: medo de sermos criticados por alguém, medo de que falem mal de nós, medo de que nos humilhem, medo de sermos abandonados, medo de sermos rejeitados, medo de não sermos importantes, medo de não sermos ilustres, medo de sermos menosprezados, medo de não sermos amados, medo da solidão... Tudo isto pode ser designado mais claramente por uma palavra: ciúme.
O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém. Na relação ciumenta colocamos nós e o outro como objetos. Nesta relação, pessoa e objeto são a mesma coisa. No ciúme, temos medo de ser, algum dia, considerados inúteis, dispensáveis à outra pessoa. E esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apego, a emoção da relação confusa, misturada e dependente. O que agrava é que, na nossa cultura, aprendemos o ciúme como sendo amor e o ciúme é justamente o contrário. O ciúme é o oposto do amor. Na relação amorosa existe identidade – eu sou independente de você. Na relação ciumenta e objetal, perde-se a identidade – eu sem você não valho nada, você é tudo para mim.
O amor é solto e livre, vem de uma querência íntima, está diretamente ligado ao sentido de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina esta emoção – eu já não sou eu, sou o que o outro quer que eu seja, para que ele também seja o que eu quero que ele seja. No ciúme há um pacto de destruição mutua em que cada qual usa o outro como garantia de que não estará sozinho. Eu me abandono para que o outro não me abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite, eu me destruo para que o outro não me destrua.
O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém e, o mais grave talvez esteja aqui – nós passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros, um dia, o que já somos: totalmente dispensáveis. O homem é, por definição, dispensável, transitório, efêmero, aquilo que passa. Em todas as relações que temos hoje, somos substituíveis. O mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Nós somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois. O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte, que é real. O medo da morte é o ciúme da vida, é a vontade irreal, falsa de sermos eternos, permanentes e imutáveis, enquanto seres encarnados. O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem a pena se forem eternas, permanentes, duráveis. Uma relação só tem valor neste caso, se nós tivermos garantia de que sempre será assim com é, mas como tudo é transitório, mutável, passível de transformação, o medo de perder nos leva a estado contínuo de sofrimento.
As consequências do ciúme são muito claras: se eu tenho medo de que me abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de fazer tudo para ser cada vez mais, para ser cada vez melhor, eu vou gastar toda a minha vida, todas as minhas energias, para provar aos outros que eu já sou mais, que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro. Ao invés de empenhar esforços para ser, por exemplo, um chefe, um filho, um marido, uma esposa, um pai ou uma mãe, cada vez melhor, gasta-se as energias para provar ao subordinado, aos pais, à mulher, ao marido, aos filhos, aos amigos, ao empregado... que já se é o melhor do mundo, o que é mentira.
O ciúme nos conduz a um delírio de onipotência. Os nossos atos, as nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, nossas ações, tudo passa a ser para mostrar aos outros que já somos bons, fortes, capazes e perfeitos. E aí está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar.
Medo de perder é assim: ganhamos, ninguém vai nos tomar, gastaremos todas as energias para defender o que nós já possuímos, para conservar o que já ganhamos. Nós já chegamos ao ponto máximo, só temos o perigo de perder. A vontade de ganhar, por outro lado, é assim: estamos sempre ativos, descobrindo as oportunidades de ganho, procurando ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com possíveis perdas.
Aqui na terra, o que temos de mais sagrado é a nossa própria vida, a vida biológica. Esta nós já vamos perder. Todas as outras perdas são secundárias.
O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo – as pessoas ciumentas estão sempre com um pé atrás, outro na frente, sempre se prevenindo para não perder, sempre se preparando, sempre conservando. As pessoas com vontade de ganhar estão sempre ativas, sempre optando, arriscando. O medo de perder é a vivência antecipada do futuro, é a preocupação. A vontade de ganhar, por outro lado, á a vivência do presente, a vivência da beleza do presente. Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades. No medo de perda a pessoa só vê os riscos. Na vontade de ganhar, a pessoa vê os riscos, mas sobretudo vê também as oportunidades... Cada momento da vida é um desafio para o crescimento.
A vontade de ganhar à qual nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo, ser cada vez mais, estar sempre disposto a dar um passo à frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais. É importante termos sempre para nós, que hoje pudemos crescer um pouco mais do que éramos ontem, descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo, que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade. Não existe pessoa madura e sim pessoa em crescimento. Todo o nosso sofrimento vem de uma paralisação do crescimento pessoal e cada um de nós sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, portanto, onde não está havendo expansão da nossa própria energia.
Ainda não vimos, até hoje, um relacionamento se deteriorar sem a presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa a quem dizemos amar.
O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo e, consequentemente, um desamor ao outro. Pelo ciúme se estabelece uma relação dominador versus dominado. O ciúme é a dor da incerteza com relação ao sentimento de alguém no futuro, é a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento no futuro, é a tristeza de não saber o que vai acontecer amanhã, aliás, o que dói no ciúme é a insegurança do desconhecido. Passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos: segurança. A segurança não existe, não existe em nada. Ser seguro não significa acabar com a insegurança, mas aceitá-la como inerente à natureza humana. Ninguém pode acabar com o risco do amor, por isso só é possível estar em estado de amor se sabemos e aceitamos estar em estado de risco. Do contrário, desperdiçamos o único momento que temos, o agora, em função de um momento ainda inexistente, o futuro. É como se as pessoas só valessem para nós no futuro. Nós não curtimos, hoje, o relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, com o trabalho...sofrendo com a possibilidade de um dia não sermos mais queridos por eles. O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã, quando crescer, quando se formar, quando casar, quando trabalhar etc. Até hoje não conhecemos um pai preocupado com o futuro dos filhos, que estivesse brincando com eles – em geral não tem tempo, porque estão muito preocupados em assegurar-lhes um futuro brilhante.
O ciúme é a incapacidade de vivermos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto de nossa vida. Querendo ou não, hoje estamos começando e, viver é considerar cada segundo de novo, a cada dia o seu próprio cuidado. O medo daquilo que nos pode acontecer, tira a nossa alegria de estar aqui e agora, o medo da morte tira a nossa vontade de viver, o medo de perder alguém tira a beleza de estar com ele agora.
Aliás, quando temos medo de perder alguém é porque imaginamos que as pessoas são nossas. Ninguém pode perder o que não tem e nós sabemos que ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma. Podemos perder um livro, uma caneta, um lápis, uma bolsa, jamais uma pessoa.
Um dos sinônimos do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar. O que é a obsessão do primeiro lugar? É colocarmos, nos outros, a tarefa impossível de sermos o primeiro em todos os lugares e em todas as circunstâncias. É, em casa, no trabalho, numa reunião, no futebol, num assunto específico, em outro assunto qualquer, querermos ser sempre o primeiro. O primeiro lugar é amarelante, deteriorante, ao passo que o segundo lugar é esperançoso e enverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha, só lhe resta um caminho, começar a descer. No segundo lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer. A postura do segundo lugar nos leva ao crescimento contínuo.
Alguém sabe por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo. Sabendo receber tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima de todos os demais rios do mundo, não seria um mar, mas uma ilha, Toda a sua água iria para os outros e ele estaria isolado.
Além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte e é impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e a morte. Precisamos aprender a cair, a errar e a morrer. Não é possível ganhar sem saber perder, não é possível andar sem saber cair, não é possível acertar sem saber errar, não é possível viver sem saber morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar será muito doloroso, se temos medo da morte, a vida será muito ruim, se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a figura do fracassado dentro do sucesso, pessoas que, quanto mais ganham, mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre, quando mais dinheiro tem, mais preocupado fica; para a pessoa que tem medo do fracasso, quando mais sobre na escala social, mais desgraça a sua vida. Em compensação, se você aprende a perder, a cair e a errar, ninguém o controla, pois o máximo que pode acontecer a você, é cair, é errar e isso você já sabe.
Bem aventurado aquele que consegue receber com naturalidade o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.
Texto: Marina Fidelis, psicografado pelo médium Maury Rodrigues da Cruz.
Um comentário:
Concordo com tudo! Adorei o texto... é isso mesmo! O medo é horrível, só de pensar nos assusta, mas temos q enfrentá-lo! Mto bom o texto, gostei mesmo!!! Bjs da sua irmã querida, Nane!
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