quinta-feira, 26 de julho de 2012

Amargo e Afável - Parte 2/4

No dia seguinte àquilo, de tarde, enquanto as crianças comiam – eu não sei o nome dela, e recordo de vê-la pouco (aquela funcionária) – e eu conversava com algumas delas, indo de um canto a outro do refeitório atendendo seus chamados para ouvir suas histórias – uma boneca que a mãe comprou, um presente que o tio deu, um passeio que fez no final de semana (às vezes só para ficar ao lado delas) - ou chamá-las a atenção por não estarem comendo, ela parou seus afazeres e disse:
- Você vai ser um bom pai, sabia? – E nessa hora eu estava com uma das crianças no colo, ensinando outra a como segurar a colher corretamente para comer “bonita” e um menininho agitando ao meu lado, tentando me fazer cócegas - e eu senti aquela velha tristeza afagando uma cicatriz dolorida no peito e, na boca, a, agora branda, amarga lembrança da perda da minha sobrinha (há anos; ela tinha um aninho) e a desgostosa sensação (ainda recente) soterrada e irremediável de não mais poder sonhar ter a garota que amei ao meu lado e a frustração de não mais poder imaginar nossa suposta filha (porque ia ser tão bela quanto à mãe, ter nossos jeitos quietos e o olhar manso) dormindo no berço, brincando e espalhando seus brinquedos no quarto ou tentando chamar nossa atenção pedindo colo enquanto conversávamos no sofá da sala... Mas no mesmo segundo pensei “e já não estou sendo?”, dizendo a ela: Olha quantos filhos já tenho, não está bom? – E sorri um sorriso meio amargo misturando satisfação e aquela pequena dor que ela viu somente orgulhoso e satisfeito em meu rosto.
Depois das crianças comerem, já estava perto da minha hora de almoço. E eu saí para comer, depois delas escovarem os dentes, e elas já estavam na sala – Era hora de dormir, descansar e só acordar de tarde.

Então eu saí, estava fumando um cigarro, e estava ansioso para voltar, e achei engraçada essa vontade. Estava pensando naquele menino agitado e “desobediente” (não é culpa dele, as crianças têm energia e querem gastar e, ás vezes, não têm quem imponha limites às suas vontades) perguntando “Tio, vai me coloca pra dormir hoje?”... E era uma sensação boa aquela lembrança do que ocorrera minutos atrás. Eu olhei para o céu, sorrindo, e senti gosto na vida, me senti importante - Para alguém eu faço a diferença...
Eu sorri meio amargo, lembrando também de minhas tristezas, mas naquela hora eu sabia que valia a pena estar vivo, eu senti o porquê eu sobrevivi a tudo - eu me senti em paz.

Um comentário:

Alef disse...

Já vi esse filme parte-5! rss