No dia seguinte àquilo, de tarde,
enquanto as crianças comiam – eu não sei o nome dela, e recordo de vê-la pouco
(aquela funcionária) – e eu conversava com algumas delas, indo de um canto a
outro do refeitório atendendo seus chamados para ouvir suas histórias – uma
boneca que a mãe comprou, um presente que o tio deu, um passeio que fez no
final de semana (às vezes só para ficar ao lado delas) - ou chamá-las a atenção
por não estarem comendo, ela parou seus afazeres e disse:
- Você vai ser um bom pai, sabia? – E nessa
hora eu estava com uma das crianças no colo, ensinando outra a como segurar a
colher corretamente para comer “bonita” e um menininho agitando ao meu lado,
tentando me fazer cócegas - e eu senti aquela velha tristeza afagando uma
cicatriz dolorida no peito e, na boca, a, agora branda, amarga lembrança da
perda da minha sobrinha (há anos; ela tinha um aninho) e a desgostosa sensação
(ainda recente) soterrada e irremediável de não mais poder sonhar ter a garota
que amei ao meu lado e a frustração de não mais poder imaginar nossa suposta filha
(porque ia ser tão bela quanto à mãe, ter nossos jeitos quietos e o olhar
manso) dormindo no berço, brincando e espalhando seus brinquedos no quarto ou
tentando chamar nossa atenção pedindo colo enquanto conversávamos no sofá da
sala... Mas no mesmo segundo pensei “e já não estou sendo?”, dizendo a
ela: Olha quantos filhos já tenho, não está bom? – E sorri um sorriso meio
amargo misturando satisfação e aquela pequena dor que ela viu somente orgulhoso
e satisfeito em meu rosto.
Depois das crianças comerem, já estava perto
da minha hora de almoço. E eu saí para comer, depois delas escovarem os dentes,
e elas já estavam na sala – Era hora de dormir, descansar e só acordar de
tarde.
Então eu saí, estava fumando um cigarro, e
estava ansioso para voltar, e achei engraçada essa vontade. Estava pensando
naquele menino agitado e “desobediente” (não é culpa dele, as crianças têm
energia e querem gastar e, ás vezes, não têm quem imponha limites às suas
vontades) perguntando “Tio, vai me coloca pra dormir hoje?”... E era uma
sensação boa aquela lembrança do que ocorrera minutos atrás. Eu olhei para o
céu, sorrindo, e senti gosto na vida, me senti importante - Para alguém eu faço a diferença...
Eu sorri meio amargo, lembrando também de
minhas tristezas, mas naquela hora eu sabia que valia a pena estar vivo, eu
senti o porquê eu sobrevivi a tudo - eu me senti em paz.
Um comentário:
Já vi esse filme parte-5! rss
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