Fique ali, aquele pouco tempo, lembrando
também do ciúme que as crianças sentem umas das outras quando elas chamam só
por ver que está a dar atenção a outra (e elas não têm culpa nisso; cabe a nós
explicar que não há necessidade, que ela é tão importante quanto as outras e as
outras são tão importantes quanto ela), lembrando de quando elas chamando para
fica ao lado delas para que comam, pedindo que dê comida na boca delas só para
que fique ao lado delas, querendo atenção, lembrando até da bronca que se tem
que dar quando, ás vezes, ameaçam chorar ou fazem manha quando se tem que sair
do lado delas; da agitação que algumas ficam quando eu chego. De quando elas,
mesmo já com sono, fazem um esforço tamanho para ficar acordadas esperando a
vez de ser ninada pelas tias.
Na hora da saída, enquanto algumas esperavam
pelos pais, eu sentei de frente para elas, no chão, como sempre faço, e fiquei
conversando, ouvindo suas histórias. Uma delas, uma menininha, veio e se jogou
nas minhas pernas e ficou toda espichada levantando a mãozinha – Tio, faz
aquele “negôço” - pedindo aquela brincadeira de cócegas que faço “Cadê o
ratinho que estava aqui? O gato comeu (...), lá vaio gato atrás do rato...”. E
aquelas mãozinhas minúsculas tentando me fazer cócegas – Agora é minha
vez.
Ter isso ameniza a dor de não ter meu e me
deixa extravasar um pouco todo o carinho que ficou preso. Nunca quis ser pai,
desejei uma vez, com alguém, entendendo e sentindo a razão de desejar, por ter
o fruto da junção de duas carnes que têm amor, por ser fruto e prova legítima.
E aquelas crianças me dão um pouco do que me foi negado.
Tudo isso estava girando na minha cabeça. Eu
estava lendo “Cidade do sol”, e dois dias depois, um sábado, na casa da minha
mãe, acabei de lê-lo. E então me bateu a consciência sobre o que
desesperadamente eu era incomodado tanto à saber. Somente naquele dia me abateu
o entendimento e a consciência de todo o pensamento: Nós sobrevivemos.
Foi só naquele momento que entendi ter solucionado
o que tão urgentemente eu precisava saber; e eu precisava saber “Por que
sobrevivemos? Qual o valor da vida? - Eu precisava lembrar. Eu precisava ser
consciente de o porquê estava vivendo.
Nós sobrevivemos
a todo o sofrimento que passamos, sobrevivemos às dificuldades que a vida nos
impõe, sobrevivemos às frustrações, às limitações. Sobrevivemos às magoas,
sobrevivemos às derrotas, sobrevivemos aos erros... Às vezes, até deixamos de
caminhar, paramos, mas sobrevivemos,
resistimos. E para quê?
E é para isso:
Sobrevivemos para gozar dos momentos bons, para viver coisas boas, sobrevivemos
pelos momentos felizes, sobrevivemos para fazer alguém feliz pelo simples fato
de estarmos ali.
... E aqueles
pequeninos fazem uma grande diferença na minha vida. A paz que é saber que
estou e faço diferença na vida deles.
Mesmo com todas
as amargas e dolorosas perdas, mesmo com todas as inúmeras dificuldades,
frustrações e as tragédias habituais as quais somos acometidos, nós
sobrevivemos.
Então foi isso
que entendi, o que tinha urgência em entender:
- Eu estou aqui,
eu sobrevivi, e não é só por mim que estou aqui. E isso faz toda a diferença.
Mas algo ainda
estava me incomodando...
Alexandre Vieira.
(continua)...
Amargo e Afável - Parte 1/4
Amargo e Afável - Parte 2/4
Amargo e Afável - Parte 4/4
Alexandre Vieira.
(continua)...
Amargo e Afável - Parte 1/4
Amargo e Afável - Parte 2/4
Amargo e Afável - Parte 4/4
Nenhum comentário:
Postar um comentário