domingo, 29 de julho de 2012

Amargo e Afável - Parte 3/4

Fique ali, aquele pouco tempo, lembrando também do ciúme que as crianças sentem umas das outras quando elas chamam só por ver que está a dar atenção a outra (e elas não têm culpa nisso; cabe a nós explicar que não há necessidade, que ela é tão importante quanto as outras e as outras são tão importantes quanto ela), lembrando de quando elas chamando para fica ao lado delas para que comam, pedindo que dê comida na boca delas só para que fique ao lado delas, querendo atenção, lembrando até da bronca que se tem que dar quando, ás vezes, ameaçam chorar ou fazem manha quando se tem que sair do lado delas; da agitação que algumas ficam quando eu chego. De quando elas, mesmo já com sono, fazem um esforço tamanho para ficar acordadas esperando a vez de ser ninada pelas tias.

Na hora da saída, enquanto algumas esperavam pelos pais, eu sentei de frente para elas, no chão, como sempre faço, e fiquei conversando, ouvindo suas histórias. Uma delas, uma menininha, veio e se jogou nas minhas pernas e ficou toda espichada levantando a mãozinha – Tio, faz aquele “negôço” - pedindo aquela brincadeira de cócegas que faço “Cadê o ratinho que estava aqui? O gato comeu (...), lá vaio gato atrás do rato...”. E aquelas mãozinhas minúsculas tentando me fazer cócegas – Agora é minha vez. 
Ter isso ameniza a dor de não ter meu e me deixa extravasar um pouco todo o carinho que ficou preso. Nunca quis ser pai, desejei uma vez, com alguém, entendendo e sentindo a razão de desejar, por ter o fruto da junção de duas carnes que têm amor, por ser fruto e prova legítima. E aquelas crianças me dão um pouco do que me foi negado.

Tudo isso estava girando na minha cabeça. Eu estava lendo “Cidade do sol”, e dois dias depois, um sábado, na casa da minha mãe, acabei de lê-lo. E então me bateu a consciência sobre o que desesperadamente eu era incomodado tanto à saber. Somente naquele dia me abateu o entendimento e a consciência de todo o pensamento: Nós sobrevivemos.
Foi só naquele momento que entendi ter solucionado o que tão urgentemente eu precisava saber; e eu precisava saber “Por que sobrevivemos? Qual o valor da vida? - Eu precisava lembrar. Eu precisava ser consciente de o porquê estava vivendo.
Nós sobrevivemos a todo o sofrimento que passamos, sobrevivemos às dificuldades que a vida nos impõe, sobrevivemos às frustrações, às limitações. Sobrevivemos às magoas, sobrevivemos às derrotas, sobrevivemos aos erros... Às vezes, até deixamos de caminhar, paramos, mas sobrevivemos, resistimos. E para quê?

E é para isso: Sobrevivemos para gozar dos momentos bons, para viver coisas boas, sobrevivemos pelos momentos felizes, sobrevivemos para fazer alguém feliz pelo simples fato de estarmos ali.
... E aqueles pequeninos fazem uma grande diferença na minha vida. A paz que é saber que estou e faço diferença na vida deles.
Mesmo com todas as amargas e dolorosas perdas, mesmo com todas as inúmeras dificuldades, frustrações e as tragédias habituais as quais somos acometidos, nós sobrevivemos.

Então foi isso que entendi, o que tinha urgência em entender:
- Eu estou aqui, eu sobrevivi, e não é só por mim que estou aqui. E isso faz toda a diferença.

Mas algo ainda estava me incomodando...

Alexandre Vieira.

(continua)...

Amargo e Afável - Parte 1/4
Amargo e Afável - Parte 2/4
Amargo e Afável - Parte 4/4

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