terça-feira, 7 de abril de 2015

Partículas de um (Tio) morto

Quando o tio Leonardo morreu, me senti muito estranho. Nunca havia me passado na cabeça que alguém que eu gostasse tanto pudesse morrer. A morte era algo muito distante para mim.
Já havia morrido uns vizinhos, uns parentes distantes... porém, agora era diferente.
Meus pais tentaram ao máximo me passar tranquilidade, confiança etc. Só que eu conhecia muito bem minha mãe e só de olhar para ela conseguia captar tamanho sofrimento. Ele era o único homem de três irmãos e apesar de ser o do meio, cuidava da minha tia e minha mãe como se fosse um pai.
Tinha um lado muito maroto e até meio irresponsável, era quando ele "surtava" devido a tantas responsabilidades que admitia em sua vida.
Casou-se duas vezes e estava num terceiro relacionamento. Ele sempre dizia que era "homem para casar" e se casaria quantas vezes fossem necessárias. Tinha um casal de filhos, cada um de uma mãe diferente.
Meu tio poderia ser desses tipos mulherengos, boêmios, etc. Mas ele considerava isso muito feio; talvez porque meu avô fosse um pouco assim, ele vivenciou isso e acompanhou o sofrimento da minha avó.
Era do tipo romântico, galanteador, fiel, companheiro, engraçado... super-engraçado por sinal. O tipo que animava as festas, contava piadas, se vestia de palhaço, papai-noel, mulher... o que fosse para brincar, ele topava. Tinha um coração enorme e por conta disso suas mulheres e amigos sempre abusavam. Talvez porque sempre ganhou muito bem e não tinha apego ao material. Não era esbanjador, se contentava com coisas simples.
No fundo, creio que havia nele uma certa carência, o que as pessoas confundiam com ingenuidade, mas diante de nossas conversas e do que minha mãe falava sobre ele, eu sabia que ele não tinha nada de bobo. Era como se ele suprisse sua carência "comprando" as pessoas, vamos dizer assim.
Só que não era algo que ele fizesse por maldade, ele sabia das intenções das pessoas, mas não ligava de certa forma, pois o material para ele era pouco diante da sensação de ser "querido". Isso tudo estou supondo, tentando entrar na sua mente, nos seus sentimentos.
Tínhamos conversas muito francas, falávamos de tudo: sexo, drogas, politica, futebol etc. E ele sempre dizia:
- Aconteça o que for, seja alguém que sua mãe possa se orgulhar.
Acho que ele foi um filho assim, pelo menos um tio eu sei que foi. Meu pai sempre trabalhou muito, reconheço, mas era sempre o tio Léo quem estava presente nos momentos mais importantes da minha vida. Isso fazia com que houvesse ciúmes por parte do meu pai e de uma das suas ex-mulheres. Minha mãe conseguia administrar isso numa boa, lembro-me de ouvir uma vez ela conversando com meu pai:
- É natural que ele sinta um carinho especial pelo tio. Meu irmão o trata como seu filho, como gostaria que nosso pai tivesse nos tratado. Ele não reproduz a criação que teve e você nunca perderá o lugar que tem no coração do nosso filho. Não tente mudar a relação deles, deixe comigo.

No dia do velório eu não quis ir até o caixão. Havia só tristeza naquele lugar. Rever meus primos e familiares foi bom, mas eu não queria estar ali. Fomos para casa e eu não conseguia dormir. Foi quando fiquei a observar a porta do meu quarto que estava aberta... era como se houvesse um vulto atrás dela. Senti calafrios, cobri a cabeça... estava com medo. Estaria eu impressionado?
Nunca tive medo dessas coisas, não acredito. Mesmo assim comecei a rezar.
Então, adormeci... só que eu acordei suando e quando olhei para a porta ela estava fechada! Foi quando senti alguém tapando minha boca.
- Não grite! Vai acordar seus pais... sou eu. Lembra? Confie em mim.
Era meu tio e estava todo vestido de branco. Mesmo que eu quisesse gritar eu não conseguiria, minhas pernas tremiam e o coração parecia saltar pela boca. Ele me abraçou e eu senti um frescor, uma calma e ele me disse:
- Vim me despedir!  Meu tempo na Terra já se foi, e eu cumpri o que tinha que fazer. Infelizmente tinha que ser assim, só um acidente de carro para tirar o seu tio da jogada. Eu estou bem, olhe para mim. Não tenho um machucado. Eles foram bons comigo.
Falava tudo isso sorrindo. De fato, parecia até que tinha rejuvenescido. Eu só consegui balbuciar um:
- Obrigado por tudo, sentirei sua falta... comecei a chorar.
- Também sentirei saudades. Não chore ou eu também vou chorar. 
 Me abraçou novamente e passou a mão nos meus cabelos.
- Quando quiser falar comigo, vá até o jardim. Conte tudo para aquele pé de Arruda, fui eu quem plantei. Estarei por lá. Reze bastante, e faça com que sua mãe tenha orgulho de você. Tenho que ir... amanhã fique atento, terá uma surpresa.
 
Acordei! Eu estava sonhando, mas foi tudo tão real. Será?
No outro dia, fomos ao enterro e antes que fechassem a tampa eu fui vê-lo pela última vez. Eu chorava como uma criança e não conseguia entender como Deus permitia aquilo.
Enquanto o caixão descia, as pessoas rezavam todas juntas. Eu não quis ver aquilo e me afastei um pouco. Uma senhora muito bonita e elegante chegou perto de mim e disse:
- Tudo na Vida são ciclos. Deus quer que ele faça outro caminho. Ele está em paz.
E saiu caminhando para se junto de dois homens que estavam de costas, ao chegar próximo a eles, ela os tocou e ambos se viraram... era meu tio e o meu avô! E ela era minha avó. Acenaram e se foram. Olhei em volta para ver se alguém estava vendo aquilo e foi quando meu pai me encarou nos olhos... ele tinha visto também, só ele. Nos abraçamos e choramos muito.

Depois disso nosso relacionamento mudou muito, e para melhor!
 



 

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