sábado, 10 de novembro de 2012

A Indiferença nossa de todos os dias...

Era uma sexta feira, por volta da meia-noite, eu estava num ponto de ônibus tomando uma lata de cerveja, quando se aproximou uma pessoa... um morador de rua.
Já repararam que instintivamente nosso comportamento é nos afastar dessas pessoas? Seja por precaução, aversão etc. É o que acontece...
Minha reação foi algo parecido, mas devido à segurança mesmo.
O cara só queria saber se poderia pegar a lata de cerveja. Imaginei que se ele fosse querer beber, mas já estava no final.
Entreguei a latinha e ali começou nossa conversa...

Anos atrás, tive a oportunidade de participar de um trabalho voluntário, destinado às pessoas que moram na rua. Foi uma grande experiência e me lembro que na primeira noite, agradeci muito por ter uma casa, cama, família, alimentos etc.
Esse trabalho começava por volta das 18 horas do domingo, onde eram preparados os lanches pão com mortadela e achocolatado. Era tudo muito bem organizado, onde haviam os caminhos certos a serem percorridos juntamente com seus grupos e dirigentes.
Fui à muito lugares que jamais pensei em ir, como embaixo de viadutos, ruas escuras... locais de dar medo. O cheiro é algo muito forte... difícil de lidar, mas o propósito é maior, logo se acostuma.
As pessoas que se encontram nessas situações são todo tipo de gente. Crianças, idosos, jovens, homens, mulheres, negros, brancos... Pessoas que já tiveram uma profissão, gente estudada, bonita... Não são só drogados.
Há quem diga que eles estejam ali por que querem... Puxa! Essa afirmação me incomoda um bocado. Sempre quis conversar com um deles, mas só dava para falar do superficial e tínhamos uma programação a seguir, horários e a questão da segurança. Durante todo o tempo que participei, nunca passamos por situação de risco.
Me lembro uma vez que eu era o único homem num grupo de 4 ou 5 pessoas... nesse dia fiquei receoso, mas como sempre, dava tudo certo. Existe uma proteção muito forte. Era um grupo espírita.

Luciano era o nome do homem que catava latinhas aquela hora da noite. Ele tem 31 anos e é analfabeto. Uma pele queimada do sol, cabelos, ensebados, roupas sujas e gastas, o cheiro típico de alguém que vive na rua... não possuía boa parte dos dentes da frente.
Me contou que fez aniversário no Natal e quem avisou da data, foram uns taxistas, pois, ele não sabia ler. Fiquei curioso com a data... então, ele me mostrou o rg... só que ali constava 08/02/1981.
Informei que não era perto do Natal, talvez do Carnaval... ele riu.
Perguntei o porque de ele não ir á um albergue, explicou que há sempre brigas nesses locais.
Falou que queria muito trabalhar, ter uma carteira de trabalho... o quanto gostaria de sair daquela vida etc.
Eu o ouvia atentamente e ficava imaginando quem poderia ajudar aquela pessoa. Quem daria um emprego a ele naquelas condições, com o sorriso totalmente comprometido? Será algo bem difícil...
Por um momento, observei as pessoas que estavam também no ponto... elas me olhavam como se não entendessem qual era o tom da conversa com aquela "pessoa". Isso porque eu conversava com ele, de igual para igual... queria ouvi-lo, queria aproveitar aquela oportunidade... queria mostrar à ele e a mim mesmo que ainda somos humanos apesar dessas diferenças.
Eu realmente o olhava como uma pessoa...
Por fim, meu ônibus chegou e me despedi. Ainda houve tempo dele dizer que ia percorrer uma imensa caminhada catando latinhas (de Moema até Pinheiros).
Desejei sorte, desejei que Deus o amparasse... queria dar um abraço, mas me limitei a dar um tapinha nas costas.
Por fim eu disse para que ele não deixasse de acreditar na vida, no homem e em algo maior.
Assim que me acomodei no assento daquele ônibus... nossa... chorei... não tenho vergonha de relatar isso.
Estava muito envergonhado diante de tudo que tinha ouvido. Me senti pequeno, impotente, egoísta... ingrato! Como eu podia reclamar da vida?
Como nossa indiferença vai cobrindo tudo como se fosse um trator. Deixamos de olhar para o nosso próximo como se fosse gente... olhamos como se fosse um bicho-ruim ou sei lá o que.
Não quero colocar aqui, o que é correto fazer ou falar de uma certa moral. O que eu quero é mostrar que somos capazes de sermos pessoas melhores todos os dias e que não precisa muito... às vezes só uma simples conversa ajuda, não só ao outro, mas a nós mesmos.

Agradeço esse encontro e esse meio de comunicação, onde eu pude compartilhar essa experiência com vocês.

Nenhum comentário: