Estranhamente, me vi deitado e coberto. Pedi que Neiva entrasse. Ela como sempre, trazia além das pílulas um lindo sorriso no rosto, mas dessa vez me pareceu surpresa e disse:
- O que houve, sr. Borges? Está com uma cara ótima!! Um passarinho, lhe acordou?
- Ah, você agora deu para fazer piadas, sua danadinha!? Acho que dormi profundamente... e tive um sonho com Sofia... mas tenho uma outra novidade!
Enquanto tomava os remédios, fomos conversando e eu lhe contei sobre ir para um asilo... Nessa hora pude perceber que minha confidente enfermeira, se encolheu. Tive a impressão de vê-la murchar, como uma flor. Ela estava comigo somente 8 meses, mas havia algo de muito especial nela... só que eu não conseguia decifrar.
Não demorou e ela com os olhos marejados disse que sentia muito por toda a situação. Me comovi com seu choro, nos abraçamos e depois contei sobre o sonho que tive. Então, novamente a enfermeira, sorriu! Era tinha um sorriso poderoso, contagiante e só de pensar que não teria mais isso... foi quando ela interrompeu meus pensamentos dizendo:
- Olha, se D. Sofia disse que não era para se preocupar... Não se preocupe! Deve ter algo bom nisso. Precisamos acreditar que será bom, concorda?
Murmurei algo com um "Sim", mas estava me sentindo sem chão.
No dia combinado, lá estavam meus três filhos, Marcelo, Rafaela e Lídia, a mais velha... Não sei porque, mas algo me dizia que tudo foi arquitetado por essa última que parecia não ter paciência com nada! Nem com os filhos, marido... ninguém. Havia se separado, e os meus netos estavam estudando no exterior... que saudades deles!
Me despedi de todos os empregados e fui me despedindo da casa, da mobília e de cada peça que estava ali, pois, cada uma tinha um significado... e tudo me lembrava minha mulher. Foi uma vida construída juntos. Uma relação baseada na confiança, respeito e amor. O resultado foram muitas conquistas! Vi um filme se passar diante dos meus olhos... Quantas festas, quantos jantares, quanta alegria, quantos momentos bons... Mas desde sua morte, a vida tinha perdido a graça. Nunca consegui gostar de mais ninguém e se estava vivo era porque Deus permitia.
Nossos filhos, os frutos dessa união. Eles eram bonitos, bem sucedidos, tinham já suas famílias e... já não me queriam mais!
Não consegui conter o choro e todos nos abraçamos. Ainda emocionado, observei num canto, Tereza, a negra maravilhosa que comandava as panelas da nossa cozinha... Tereza parecia estar num choro sem fim, soluçava e tentava enxugar aquele rio de lágrimas que jorravam dos olhos inconsoláveis e tristes. Agradeci, por todos os anos e sabores que ela me proporcionou. Beijei as mãos de quem sempre nos serviu, sem o menor pudor. Estava muito tocado com a situação e o carinho daquela pessoa.
Não sei quanto tempo levou para chegar na minha "casa de repouso". A primeira impressão que tive era que estava num cemitério, não se ouvia nada... e só quando fomos adentrando, pude ver as almas e os anjos daquele lugar.
CONTINUA...
2 comentários:
Alê, agora eu quero a parte III. rs
Abraço
Vamos até o capítulo 54! rss
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