quarta-feira, 23 de maio de 2012

Presente - Capítulo 3

O lugar era muito tranquilo... até de mais! Fiquei pensando será que o céu é assim? Seria uma prévia da minha "futura vida"? Já me sentia enfadado, só de imaginar o que estaria por vir... As atividades para os velhos: Jogos, cadeira de balanço, leitura etc.
Depois de assinar uns papéis fui dar uma volta para conhecer tudo. Pedi aos meus filhos que fossem embora,   não queria dividir esse momento com eles... estava me sentindo péssimo, com uma certa raiva e uma grande dor.
Elvira, uma das coordenadora do local, ia me explicando tudo...
Era um casarão antigo, porém, muito bem conservado, com vários quartos individuais, duplos ou "suítes". Uma imensa área verde, com jardim, bancos e um vistoso chafariz e um... anjo!
Logo, me cansei e quis me deitar, ver meu aposento. Por sorte, era uma suíte... aquela altura tudo o que menos queria era dividir o quarto com alguém.
Eu estava revoltado! Ficava me perguntando se a Vida era somente isso. Pedi a Deus que me levasse embora logo de uma vez. Não iria suportar tudo aquilo... por um momento me passou pela cabeça a ideia de suicídio.
Os dias foram se passando e eu me adaptando aquela nova rotina, tinha novos horários, novos enfermeiros e novas companhias... Comecei a ter conversas com Eugênio, um homem dez anos mais novo que eu, mas que não conseguia manter uma conversa por muito tempo, logo ele aparentava cansaço, resquícios de quem fumou a vida inteira.
Meu único vício, talvez fosse a bebida, mas nunca fui de ficar bebendo até cair, porém bebia todos os dias uma dose de whisk. Isso até o médico proibir... E assim se vão os pequenos prazeres da vida...
Os dias foram passando e eu me arrastava por entre aqueles corredores e salas... As atividades até pareciam ser interessantes. Havia pintura, música, ginástica, artesanato, dança... Eu comecei a tocar piano, coisa que não fazia há muito tempo. Aquilo me tirava um pouco dali, me transportava daquele grande tédio...
A noite, eu colocava uma cadeira perto da janela e ficava a olhar para as estrelas imaginava que meu fim deveria estar próximo, pois estava muito infeliz. Brigava com Deus e questionava-o como alguém que teve uma vida tão intensa e tentou na media do possível ser uma boa pessoa, poderia acabar daquela forma?
Nem a visita dos meu filhos me motivava... e um dia pedi que não viessem mais.
Viver se tornou algo muito triste, até que um dia...

CONTINUA...




segunda-feira, 14 de maio de 2012

Vicioso sorriso


Interrompendo o alê, enquanto ele nos deixa morrendo de curiosidade...


Vicioso sorriso.


É como um vício, foi como eu senti.
Eu não podia olhar, eu não devia - Olhar aquele sorriso.
Era, aquele, o único resquício, o único fio, uma ponta solta - Não havia a excluído por completo?
Eu não devia, eu não podia – cair mais uma vez na abstração -, mas foi irresistível. Algo me puxava a aquilo.

Como um vício, foi como senti.
Eu posso negar um pensamento, rejeitar uma lembrança, abafar um desejo desorientado. Mas...
Estava ali, a possibilidade de ver aquele sorriso mais uma vez. A última vez. E então excluir.

Tentei não olhar, tentei, não consegui.

E vê-la sorrindo... por quê é tão bonito?

...

Depois eu sei, porque não devia ter olhado, porque devia não ter caído, porque devia ter me virado.
Não é mais meu, e nem para mim, aquele sorriso tão bonito
que é meu vício idolatrado...

Alexandre Vieira

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Presente - Capítulo 2

Estranhamente, me vi deitado e coberto. Pedi que Neiva entrasse. Ela como sempre, trazia além das pílulas um  lindo sorriso no rosto, mas dessa vez me pareceu surpresa e disse:
- O que houve, sr. Borges? Está com uma cara ótima!! Um passarinho, lhe acordou?
- Ah, você agora deu para fazer piadas, sua danadinha!? Acho que dormi profundamente... e tive um sonho com Sofia... mas tenho uma outra novidade!
Enquanto tomava os remédios, fomos conversando e eu lhe contei sobre ir para um asilo... Nessa hora pude perceber que minha confidente enfermeira, se encolheu. Tive a impressão de vê-la murchar, como uma flor. Ela estava comigo somente 8 meses, mas havia algo de muito especial nela... só que eu não conseguia decifrar.
Não demorou e ela com os olhos marejados disse que sentia muito por toda a situação. Me comovi com seu choro, nos abraçamos e depois contei sobre o sonho que tive. Então, novamente a enfermeira, sorriu! Era tinha um sorriso poderoso, contagiante e só de pensar que não teria mais isso... foi quando ela interrompeu meus pensamentos dizendo:
- Olha, se D. Sofia disse que não era para se preocupar... Não se preocupe! Deve ter algo bom nisso. Precisamos acreditar que será bom, concorda?
Murmurei algo com um "Sim", mas estava me sentindo sem chão.
No dia combinado, lá estavam meus três filhos, Marcelo, Rafaela e Lídia, a mais velha... Não sei porque, mas algo me dizia que tudo foi arquitetado por essa última que parecia não ter paciência com nada! Nem com os filhos, marido... ninguém. Havia se separado, e os meus netos estavam estudando no exterior... que saudades deles!
Me despedi de todos os empregados e fui me despedindo da casa, da mobília e de cada peça que estava ali, pois, cada uma tinha um significado... e tudo me lembrava minha mulher. Foi uma vida construída juntos. Uma relação baseada na confiança, respeito e amor. O resultado foram muitas conquistas! Vi um filme se passar diante dos meus olhos... Quantas festas, quantos jantares, quanta alegria, quantos momentos bons... Mas desde sua morte, a vida tinha perdido a graça. Nunca consegui gostar de mais ninguém e se estava vivo era porque Deus permitia.
Nossos filhos, os frutos dessa união. Eles eram bonitos, bem sucedidos, tinham já suas famílias e... já não me queriam mais!
Não consegui conter o choro e todos nos abraçamos. Ainda emocionado, observei num canto, Tereza, a negra maravilhosa que comandava as panelas da nossa cozinha... Tereza parecia estar num choro sem fim, soluçava e tentava enxugar aquele rio de lágrimas que jorravam dos olhos inconsoláveis e tristes. Agradeci, por todos os anos e sabores que ela me proporcionou. Beijei as mãos de quem sempre nos serviu, sem o menor pudor. Estava muito tocado com a situação e o carinho daquela pessoa.
Não sei quanto tempo levou para chegar  na minha "casa de repouso". A primeira impressão que tive era que estava num cemitério, não se ouvia nada... e só quando fomos adentrando, pude ver as almas e os anjos daquele lugar.


CONTINUA...




sexta-feira, 4 de maio de 2012

Presente - Capítulo 1

"Faziam cerca de três meses que eu completara 80 anos... Em uma dessas reuniões em família, fui surpreendido! Pelos semblantes dos meus três filhos, pude sentir que não seria um assunto fácil.
Fiquei aguardando e Marcelo, o caçula, que sempre foi o mais emotivo de todos, veio até mim com os olhos já um pouco diferentes do normal. Enquanto ele ensaiava um discurso, eu tentava me antecipar ao que viria: "Qual missão teriam incumbido, a ele?" - pensei.
Logo, ele desvendou o assunto... queriam me internar em um asilo!
Talvez, um dia eu já tivesse pensado nessa possibilidade, mas nunca pensei que o fariam.
Diante de mim, estava a "proposta". Poderia mesmo optar? Como não reconhecer que eu estava dando trabalho por de mais a quem me deu tanto trabalho um dia.? Confesso... que me senti um fardo e isso já não era novidade.
A diferença, talvez é que eu achava-me um fardo leve, por usufruir de uma boa aposentadoria e bens que custeavam todas minhas despesas médicas, inclusive enfermeiras e tratamentos.
Já não consigo me lembrar quantos remédios tomo diariamente. Faço hidroginástica, ioga, exercícios regularmente... Tudo para continuar vivo ou ter uma boa qualidade de vida. Mas não é nada fácil, os movimentos já não são os mesmos, a memória insiste em me pregar peças... E tem a pressão, a catarata, a falta de ar... é o processo da natureza.
Após ouvir minha "sentença", o que fiz foi engolir um choro de tristeza e disfarçar com um: "Tudo bem... é até melhor assim." Vi no rosto da minha filha mais velha a sensação de alívio se materializar, em um meio sorriso. Nos abraçamos e eu me fiz  interessado e otimista em relação ao meu novo lar.
Eles falavam, falavam, falavam e eu mau conseguia ouvi-los... minha dor só aumentava!
Quando tudo terminou, disse que iria me deitar para tirar um cochilo. Assim que fechei a porta do quarto, nem consegui chegar à cama... desabei a chorar, me ajoelhei no chão e ali permaneci, até adormecer.
Durante o sono, tive um sonho com minha falecida esposa, Sofia... Ela estava linda e vestia um vestido amarelo-claro. Me estendia os braços e um sorriso acolhedor e eu, me entregava à aquele momento, lamentando, comunicando-a que os nossos filhos, queriam agora me abandonar. Dizia a ela, que seria melhor estar morto, junto dela. Calmamente, ela pedia  para que eu tivesse paciência, tudo iria se resolver e que eu não me aborrecesse ou ficasse triste.
Despertei pela manhã, com o bater na porta... era Neiva, a enfermeira que vinha me lembrar de um dos meus remédios.



CONTINUA...