quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O guia...

"Fui criado na periferia em meio aquele monte de casas inacabadas ou feitas de tábuas... As conhecidas favelas. Ruas de terra, esgoto a céu aberto e os emaranhados dos fios, compunham minhas lembranças dessa época.
Em casa éramos em cinco pessoas. Meus dois irmãos e meus pais. Meu irmão era 7 anos mais velho que eu, minha irmã, um ano mais nova.
Meus pais eram nordestinos, aqueles que vieram tentar a vida na cidade grande.
Sempre ouvi meu pai dizer que quando chegaram no Terminal do Tietê, haviam trazido somente uma mala. Nós passamos por muitas dificuldades no início, mas com o passar do tempo as coisas foram melhorando e já tínhamos onde morar.
Em sua bagagem meus pais trouxeram outras coisas, como uma certa rigidez no que se refere a criação dos filhos, em especial, os menores.
Não eram de bater, mas ficavam o tempo todo de marcação cerrada. Não podíamos brincar ou ficar na rua, de jeito nenhum.
Meu mundo, era meu quintal e minha parceira em tudo era minha irmãzinha. O quintal era nossa espaçonave, mansão, campo de futebol, escritório, floresta e todas essas coisas de crianças...
Só que minha irmã por ser menina e a caçula, tinhas momentos em que ela era muito enjoada e se não conseguisse o que queria, abria o berreiro! Isso me irritava muito!
Meu grande herói, era sem dúvida, meu irmão. O fato de ele ser mais velho, fazia com que tivesse algumas regalias. Ás vezes ele me levava para a rua e me ensinava empinar pipa, jogar bola... brincar com as crianças da vizinhança. E não demorava muito, lá vinha meu pai ou minha mãe me buscar. Como eu sofria com isso.
Talvez por isso eu era muito apegado ao meu irmão. Ficava muito contente em sua presença, era minha referência. Até tentava imitá-lo, no jeito que penteava os cabelos, no jeito de se vestir etc.
Ele tinha amigos! Eu ficava admirado... e com um pontinha de inveja. Amava meu irmão, de fato e fui perceber mais isso, no dia em que ele foi nadar escondido em uma represa. Nunca mais voltou. Tentaram me esconder, mas foi em vão. Se afogou.
Quando o vi no caixão, não acreditei... doía muito! Morria ali também um pouco de mim, da minha alegria.
Fiquei de luto por muito tempo. Me tornei uma criança triste.
Quando chegava a hora de dormir, me deitava e ficava imaginando que ele fosse voltar. Eu pedia isso. Até que uma certa vez, tive um sonho curioso, onde ele aparecia e me levava para a rua. Fomos empinar pipa e ela já estava lá no alto, quando ele me abraçou e disse: 'Pare de pedir para que eu volte, pare de sofrer. Eu estou sempre contigo e se você sofre, também sofro.'
Acordei chorando e a partir daquele dia, fiz o que ele pediu.
Como me disse que sempre estaria comigo, se tornou um amigo imaginário. Era ele que desenganchava minhas pipas nos fios ou nos telhados vizinhos. Claro que quando ele se distraia, vinha algum garoto me cortava.
Comecei a conversar com ele, pois me sentia muito só. O único contato que eu tinha com os garotos da rua, era pelo portão, mas mal conseguia vê-los direito. Eles me chamavam para brincar mas, eu não podia. Era horrível. Passei a ter raiva dos meus pais, por conta disso.
Então, as conversas com meu irmão passaram a ser em voz alta, minha irmã estranhou, mas logo levou na brincadeira. Eu já levava á sério...
Até que minha mãe percebeu e falou para o meu pai. Ele passou a me vigiar, logo que constatou, brigou comigo. Disse que eu não era louco e se insistisse nisso, iria me colocar no lugar de gente maluca.
Mais uma vez eu era "engessado" e mais uma vez eu nada podia fazer...
Passei a escrever todas minhas angústias e alegrias.
Virou um diário que com o passar do tempo, não precisou ser mais escrito. Cresci e abandonei aquele menino triste e tímido que fui outrora.
Me tornei uma pessoa segura, feliz. Estudei, arrumei um bom emprego... Conheci uma pessoas maravilhosa. Tivemos dois filhos. Procurei educá-los nem com muita liberdade, nem com muita repreensão. Compreensão, carinho, diálogo... tudo o que não tive passei a eles.
Quando meu pai me censurou sobre falar sozinho... Meu discurso cessou da boca pra fora, mas uma voz passou a sempre ecoar aqui dentro, me intuindo, me guiando.
A voz do meu irmão..."



Nenhum comentário: