sexta-feira, 1 de março de 2013

O Guri

Andando pelas ruas próximo à Liberdade, centro de São Paulo, avistei um jovem sentado na frente de uma loja com um olhar distante e uma aparência estranha. Ele me encarou por alguns segundos e eu segui meu caminho imaginando que ali talvez estivesse mais um viciado em drogas. Não demorou para que eu comprovasse que estava certo.
Ao chegar na esquina, fiquei aguardando o semáfaro abrir para que eu atravessasse. O que durou um certo tempo e me distrai em uma banca de jornais. Ao olhar para trás, percebi que o mesmo jovem, agora havia se sentado na frente de uma lanchonete. Ele não me seguiu, apenas mudou de lugar. Nossos olhares se cruzaram mais uma vez, então ouvi uma meia voz pedindo que eu pagasse um almoço para ele. - isso era por volta de 11:30 - Infelizemente, não dá para sairmos pagando tudo para qualquer pessoa que venha nos pedir, mesmo que seja comida. Além do que, algumas pessoas se recusam a receber alimento, querem dinheiro.
Propus à ele que eu pagaria o almoço, mas não daria dinheiro. O rapaz aceitou.
Por ser menor de idade, não publicarei seu nome verdadeiro, vamos chamá-lo de "Francisco".
Entramos na lanchonete e pedimos o almoço, fomos informados que iria demorar um pouco, algo entre dez minutos. Sem problemas, tínhamos tempo. Ele escolheu bife com fritas, eu não comi nada, pois, estava sem fome. Enquanto esperávamos, tomei um suco, ele um refrigerante.
Francisco é um menino negro de traços fortes, boa aparência, bonito. Usava calça jeans, uma pólo listrada e tênis. Tudo bem encardido, resquícios de quem vive na rua. As roupas ele consegue junto à serviços sociais. Tem 14 anos e estudou até o 4° ano primário, percebi quando pedi para que ele escolhesse o que iria comer... me pareceu não saber ler direito.
Em meio à muitas perguntas, ele foi me contando porque está nas ruas. É o caçula de três irmãos, os outros dois estão presos, por vender drogas e moravam em uma pensão que pegou fogo.
Perdeu a mãe aos quatro anos de idade, não conheceu o pai e mora na rua há pelo menos 4 anos. Nunca roubou por falta de coragem. Atualmente usa crack, começou com maconha e depois "farinha" (cocaína).
Diz que tem parentes em Francisco Morato, um avô... - "Ele não quer saber de mim, porque diz que dou muito trabalho."
Fiquei olhando para aquele rapaz e tentando ver alguma esperança em seu olhos, ou na atitudes. Ele tinha um olhar vazio. Não sei se seria por conta das drogas, a noite mal dormida ou se é a Vida que já vai se esvaindo dele. A pele não tem aquele brilho, ele tem olheiras... fico incomodado com tudo aquilo.
Questiono sobre o que ele espera do futuro, um milagre... qualquer coisa. Ele espera que os irmãos liguem em um determinado orelhão que fica próximo. Espera que ele saiam da prisão e fiquem todos juntos. Esse seria o tal milagre.
Digo à ele que me sinto envergonhado, triste, impotente diante de tudo aquilo que está me contando. Coloco que é uma realidade que poderia ser mudada, se toda a sociedade como um todo se envolvesse, haveria como... e que ele é uma vítima.
Não estava ali julgando-o, pouco me importa o que ele fez outrora. Só queria saber do agora, de poder ajudá-lo. Mas como?
Ele me confidenciou que estava ficando com vergonha das pessoas que chegavam para almoçar.
Respondi que não deveria ter vergonha disso e sim de outras coisas, mas ao perceber que ele estava ficando mais tímido, sugeri que levasse seu almoço e comesse onde achasse melhor. Aceitou.
Tentei intuir naquele ser, um pouco de confiança e fé em dias melhores... mas, ele parece que já desistiu de si há um certo tempo. Já se acostumou a dormir na rua, não teme e não se vê em futuro algum.
Me despedi, desejando boa sorte.
Que um dia eu pudesse reencontrá-lo, mas que ele fosse outra pessoa... quem sabe?
Não fui embora com a sensação de dever cumprido ou orgulhoso por ter uma história. Fui embora me sentindo mal, contudo aprendi a separar as coisas. Não posso cair diante de um tropeço. Foi algo forte, importante.
Por algum motivo aquela conversa tinha que acontecer.

Dorme guri, todos os sonhos cabem em ti, só não desperte antes do amanhecer.

3 comentários:

Anônimo disse...

Quanto Orgulho De Voçe Ale, Muito Otimo seu texto , adorei Parabens *-*

Ariane Binotte disse...

Alê... essas histórias mexem muito comigo e me comovem... já passei por diversas situações dessas e na maioria delas pude tb dar um pouquinho de "esperança" a alguém, ou um simples conforto, mesmo que fosse um prato de comida, um lanche ou um pão...
Nada nos falta, se olharmos sempre a situação do próximo...
Reclamamos por nada, enquanto tantos nada tem...
Não me sinto mais que ninguém por ajudar, mas com certeza me sinto muito melhor dentro de mim...
Somos filhos de um único Pai... irmãos... com diferentes histórias e destinos para contar...
Beijos amigo... durma com uma certeza... vc fez a diferença na vida de alguém hoje... e isso vai perdurar por toda a vida...
#orgulhosadevc

Anônimo disse...

Olá Alê,
Li seu post e compartilho da tua vergonha diante desses fatos. Lembrei de algumas situações que já passei e por um minuto tive coragem e perdi ao pensar em fazer o mesmo que você. O muro que nos separa e só nos deixa mirar o outro lado pela fechadura do PRE CONCEITO. Existem sub mundos hoje que precisam de remédio de alguma forma. Como remediar meu amigo??
Ótimo post. Parabéns!!!
Ana Priss